VOZ DO BRASIL
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18 junho 2022 | 15h04 |
Nossa suprema corte de justiça está diariamente nas páginas de jornais, na seção sobre política e não sobre direito e justiça, o que é muito ruim para a imagem da credibilidade que o poder judiciário precisa ter junto à opinião pública brasileira e estrangeira.
O direito brasileiro parece estar se desfazendo aos poucos a cada ato autoritário da mais alta corte de justiça do nosso país, causando espanto até em membro do próprio tribunal que já se aposentou por conta da idade. O caso mais escandaloso dos últimos tempos tem sido protagonizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) contra um deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro (Daniel Silveira).
O deputado federal citado teve prisão realizada em 16/2/2021 em suposto flagrante delito por crime declarado como inafiançável. A estranha prisão foi, mais estranhamente ainda, aprovada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) e mantida pela casa de leis Câmara dos Deputados Federais, na capital Brasília.
Este caso desencadeou uma série de
questionamentos sobre a forma como foi conduzida a prisão e a persecução penal
do caso, tendo em vista que o detido é deputado federal e tem imunidade
parlamentar que (como diz a própria constituição federal do Brasil ) não poderia ser preso por quaisquer palavras opiniões ou votos
enquanto estivesse investido do seu mandato popular. Vejamos o que diz o texto
da maior norma do nosso direito pátrio:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e
votos. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
O texto da constituição federal do Brasil
é bem didático e de interpretação literal, não havendo necessidade de qualquer
esforço retórico para distorcer o que nele está escrito. O que está ocorrendo
no Brasil, ultimamente, é um tipo de distorção do significado das normas de
acordo com quem está sendo julgado, isso fere de morte o Estado de Direito que
tanto dizem defender.
Embora não concorde com as palavras
proferidas pelo Deputado Daniel Silveira, no vídeo que gravou em fevereiro de
2021, no qual xingava os ministros do STF e falava que um deles merecia apanhar com um gato morto até o gato miar,
uma expressão à brasileira para dizer que alguém merece ser muito castigado, acredito
como comentarista que a prisão e
condenação do deputado tenham sido exageradas por demais.
Primeiro porque a prisão em suposto
flagrante já não encontra apoio na lei brasileira, uma vez que uma gravação de
vídeo na internet não caracteriza prática permanente do delito imputado, depois
porque, mesmo que fosse responsabilizado por suas palavras e opiniões, (coisa
que a própria constituição o protege como parlamentar) ele deveria ter sido
investigado, processado, julgado e somente depois, com uma condenação transitada em julgado (quando não há
mais como recorrer) aí sim, ele poderia ser preso definitivamente, embora possa
ser recolhido à prisão após sentença de primeiro grau com o processo ainda em
curso, a depender do caso.
Para agravar mais do que o próprio ato do
parlamentar o fez, a PGR (Procuradoria Geral da República) e posteriormente o
relator (que apresenta o caso à corte), resolveram enquadrá-lo em crimes
previstos na lei de segurança nacional, acusando-o de atentar contra a
democracia brasileira por meio de sua fala. Com isso, Daniel Silveira passou a
uma situação como se já estivesse condenado, mesmo que sequer tivesse uma
investigação ou processo julgado.
O que tem preocupado o mundo jurídico
brasileiro nos últimos tempos é o avanço de decisões obscuras e questionáveis
da mais alta corte de justiça do Brasil, ao passo que se coloca em muitos casos
como vítima, acusador e julgador,
deixando a comunidade jurídica e civil com verdadeiro medo de exercer seu
direito de liberdade de expressão constitucional. A esse respeito o
desembargador do Tribunal Regional Federal da 2° Região, William Douglas,
manifestou sua completa indignação com a forma exagerada que o tribunal está
agindo nos últimos tempos [link].
Não concordo com o que foi dito pelo
deputado, creio que poderia se manifestar de outra forma que não aquela por ele
usada no vídeo, porém, o direito brasileiro não pode soltar criminosos do “colarinho branco” (expressão usada pra
se referir a políticos corruptos) enquanto prende um deputado federal
legitimamente eleito e protegido pela constituição federal brasileira.
Os possíveis crimes derivados da opinião
do deputado deveriam ter sido investigados, processados e julgados antes de
estabelecer sua prisão, pois há um grande princípio no nosso sistema de leis
que é o da presunção de inocência e
não de culpa antes de ser julgado.
Este caso tem acirrado o conflito entre
grandes instituições do Estado brasileiro, posto que de um lado está o poder
judiciário, avançando além das fronteiras do próprio direito e de outro lado o
poder Executivo, cujo mandatário não aceita a postura exagerada do órgão máximo
do poder judiciário (STF). O direito e a política estão em estado de conflito
permanente nos últimos anos e parece não haver um fim, pelo menos até outubro,
quando haverá eleições presidenciais no Brasil.
Aos
leitores deste honrado jornal, deixo link com resumo da condenação do parlamentar,
segundo o entendimento do STF, como forma de demonstrar os dois lados de
entendimento sobre o caso aqui abordado.
*MARCELO VASCONCELO DE SÁ é advogado, articulista, escritor independente no Brasil e correspondente voluntário de Cascais24h
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