Máscaras à sombra


09 MAIO 2020
Passados quase dois meses sobre o início do estado de emergência, e agora que começa paulatinamente o desconfinamento, podemos fazer uma primeira análise do que foi a atuação da Câmara de Cascais.

1. Em primeiro lugar há que reconhecer que a Câmara tentou fazer alguma coisa e isso é positivo. Não ficou de braços cruzados e procurou agir. 
Seria uma crítica demasiado fácil comparar o número de casos em Cascais com o dos concelhos vizinhos, embora não tenha dúvidas que, se os números fossem favoráveis à nossa terra, a Câmara não deixaria de tentar chamar a si os louros.

Sabemos que Cascais é um concelho mais aberto ao exterior que Oeiras ou Sintra, o que aumenta o risco de contágio, e que também por ter um bom hospital – construído no tempo de António Capucho – é possível que residentes de outros concelhos o procurem em situação de emergência.

2. O problema, no entanto, começou com a ânsia da Câmara em algo fazer custe o que custar. A premente vontade de agir transmitiu a ansiedade de quem foi apanhado de surpresa e acha que tem de fazer alguma coisa, mas não sabe bem o quê. Geralmente, isso leva a decisões erradas.

Em vez de se concentrar naquilo que lhe competia em primeiro lugar, como seja a desinfeção dos espaços públicos, o apoio no abastecimento às famílias em confinamento, a informação atempada e rigorosa aos cidadãos, optou por aquilo que dava mais nas vistas. Em lugar de procurar o envolvimento de todos nos processos de decisão em tempo de crise, procurou antes apoio silencioso para as decisões por si tomadas, ignorando que só há apoio quando há envolvimento.

3. É paradigmático o caso das máscaras, em que a intenção era boa, mas a péssima execução deitou tudo a perder.

A Câmara começou por adquirir um milhão de máscaras, 10 mil caixas de luvas, 2 mil fatos de proteção individual e diverso outro material. Contratou isto tudo por 9 milhões de euros por ajuste direto a uma empresa que tinha faturado menos de metade deste montante em todo o ano anterior. A urgência justificaria, mas o projeto começava logo mal.

O que fez às luvas não sabemos nem tão pouco o que aconteceu a tanto fato de proteção. Mas sabemos que as máscaras foram partilhadas com municípios da área metropolitana, alguns dos quais as distribuíram gratuitamente pelos seus habitantes. As máscaras que ficaram para Cascais, um total de 850 mil, em vez de serem distribuídas à população, foram entregues às IPSS para venda aos munícipes a 70 cêntimos cada.

E aqui começou verdadeiramente a confusão das decisões erradas. Se as máscaras eram um artigo importante para a contenção do vírus, deveriam ter sido de imediato distribuídas gratuitamente à população pelo meio mais rápido. Mas a Câmara queria, ao mesmo tempo, satisfazer as IPSS, contrariar a especulação com os materiais de proteção individual, evitar o açambarcamento e combater o vírus. Acabou por não fazer nada disto, como é evidente.

Por um lado, as IPSS enfrentavam enormes dificuldades internas por causa da pandemia e a obrigação de vender máscaras foi mais um problema que um benefício. Por outro, e contrariamente a outros produtos, a especulação à volta das máscaras foi relativamente contida desde início. Poucos dias depois de a Câmara entregar os materiais às IPSS, uma cadeia de supermercados anunciou mesmo a sua venda a um valor significativamente mais baixo.

Por fim, o procedimento administrativo, que visava evitar o açambarcamento e garantir uma distribuição equitativa, tomava como princípio de que quem vai comprar uma máscara está a mentir, a menos que prove o contrário. Isto levou a que muitas pessoas preferissem pagar mais alguns cêntimos a terem de apresentar documentos vários para uma simples compra de 2.10 € por três máscaras. Assim, não tendo chegado às pessoas, em nada contribuíam para o combate  ao vírus.

Em resultado, nem as IPSS ficaram contentes, nem foi combatida a especulação, nem foi garantida uma distribuição equitativa porque as pessoas optaram por simplesmente não comprar. Pior de tudo, não foi combatido o vírus.

De caminho, fica o dano na imagem por ter procedido a uma compra de forma pouco transparente, a opção pelas organizações em detrimento das pessoas e o paternalismo excessivo de uma administração que vê em cada beneficiário de um programa um potencial desonesto. O programa era bom, a péssima execução é digna de entrar como mau exemplo para os manuais da gestão e administração pública.

4. Há agora que pensar no futuro. A nova fase vai implicar um enorme esforço da autarquia para ajudar as famílias e promover a recuperação das empresas. Cascais tem registadas 30 mil empresas onde trabalham 76 mil pessoas. A esmagadora maioria destas empresas são micro ou pequenas empresas de caráter familiar. Seguramente que pelo menos um terço encerrou ou viu a sua atividade reduzida quase a zero durante a pandemia.

Neste momento, mais do que baixar impostos, há que lançar um programa social de apoio às famílias e de recuperação de empresas que chegue efetivamente aos destinatários. Mas isso fica para a próxima semana.

 
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2 comentários:

Jorge Felner da Costa disse...

Concordo com a tua análise. Abr.

Luis Sa disse...

E nao esquecer o vedar o acesso a praias, sem que tivesse autoridade para tal...Devera ser a Autoridade Maritima e nao a CMC...

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