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29 FEVEREIRO 2020 |
A realidade virá, em
breve, revelar-nos surpresas desagradáveis. Será que a gestão orçamental de
Mário Centeno é, efetivamente, rigorosa e de qualidade?
Eis, pois, algumas reflexões
pertinentes, que convém reter:
As contas públicas
estão consolidadas?
Não.
Porque lhes falta coerência, consistência, sustentabilidade e rigor. O rigor,
isso mesmo.
Mas Centeno não é o
paladino do rigor?
Não!
E porquê?
Porque,
desde 2015, foge como o diabo da cruz, de implementar a reforma das finanças
públicas.
Pela
primeira vez em democracia, o país registou, em 2019, um saldo orçamental
positivo/superavit, antecipando a meta em 2 anos.
É positivo?
Sem
dúvida.
Mário Centeno teve
mérito? Foi Ronaldo, mágico ou simplesmente um bom ministro?
Estamos
convencidos que foi, tão só, um bom ministro, que soube gerir, com firmeza, o
crescimento da despesa (face à natural pressão dos ministros), colocar em vigor
uma política cega e irracional de cativações, que agravou muito o problema do
funcionamento dos serviços públicos, retirando-lhes qualidade, aumentou
incessantemente a receita proveniente dos impostos indirectos e cortou
desmesuradamente no investimento público, com maus resultados.
Mas
os grandes obreiros deste bom resultado orçamental foram os portugueses,
“esmagados” com impostos diretos (IRS, graças ao brutal aumento de impostos de
Vítor Gaspar, em 2013) e nos últimos anos com um aumento brutal de impostos
indirectos.
Mário
Centeno deve agradecer às empresas que criaram emprego (embora pouco
qualificado) gerando mais receita no IRS e mais contribuições para a segurança
social. O BCE e a sua política de juros, anormalmente baixos (para se redimir
no fracasso na gestão das dívidas soberanas em 2009), foi decisivo, e de que
maneira, no inédito superavit de 2019. E por fim, a política de dividendos do
BP e da CGD ajudaram e bem na redução do défice.
Mário Centeno foi
Ronaldo, mágico ou super-homem?
Muitos
comentadores e analistas no espaço público, fazedores de mitos, querem fazer-nos
crer que sim. Pessoalmente, considero que estão errados e/ou submissos, como
estiveram quando se curvaram perante outros ídolos com pés de barro, como
Salgado, Berardo, Bava, Isabel dos Santos, etc.
As contas públicas
estão consolidadas?
Não.
Porque lhes falta coerência, consistência, sustentabilidade e rigor. O rigor,
isso mesmo.
Mas, Centeno não é o
paladino do rigor?
Não!
E porquê?
Porque,
desde 2015, foge como o diabo da cruz, de implementar a reforma das finanças
públicas, designadamente a Lei de Enquadramento Orçamental e o Sistema de
Normalização Contabilística da AP. Sem esta reforma não temos certeza se o
Estado está a gastar bem o dinheiro dos contribuintes, nem temos transparência
no processo orçamental.
A gestão e controlo da
despesa pública têm sido recorrentemente subalternizados na política orçamental. Ano após ano, o país
real e o país político alheiam-se da execução do orçamento do ano anterior,
ignorando o parecer do TC sobre a Conta Geral do Estado. E muitos ensinamentos
podem e devem ser colhidos dessa análise produzida pelo Tribunal de Contas. O
país vive obnubilado pelo “milagre” de Mário Centeno. A realidade virá, em
breve, revelar-nos surpresas desagradáveis.
Será que a gestão
orçamental de Mário Centeno é, efetivamente, rigorosa e de qualidade? Respeita
a lei e as boas práticas internacionais?
Existem
sérias dúvidas.
Não
basta um controlo rigoroso da despesa, cujo expoente foi a cega política de
cativações, com custos enormes no funcionamento dos serviços públicos. Não basta
uma política orçamental assente num crescimento incessante da receita fiscal,
que conduziu à maior carga fiscal da história. Uma boa gestão orçamental
pressuporia a aplicação da reforma das finanças públicas, lançada em Setembro
de 2015, mas sucessivamente adiada pelo atual governo, como têm notado o
Tribunal de Contas, em sucessivas auditorias à implementação da LEO e do
SNC-AP, bem como o CFP e a OTAO. Uma reforma das finanças públicas é um garante
de boa gestão pública, da transparência e de accountability no processo
orçamental.
A
nova LEO tinha o grande objetivo de melhorar substancialmente a qualidade da
gestão financeira do Estado, do reporte e controlo e permitir a introdução de
uma efetiva Orçamentação por Programas, isto é, uma orçamentação por
performance e não meramente incremental.
A
literatura económica é clara ao concluir que princípios e regras orçamentais
têm um papel crítico no rigor, na transparência e na necessidade de proteção
dos cidadãos contra os abusos e excessos financeiros do poder público. A
subordinação das Finanças Públicas e do Orçamento de Estado, a estes
princípios, visa uma gestão mais eficiente dos recursos públicos, mas também
uma maior capacidade de controlo por parte dos órgãos de fiscalização, como a
Assembleia da República.
Mário
Centeno não avançou com esta revolução orçamental, em prol da transparência e a
responsabilização pelos gastos públicos, apesar de já terem passado cerca de 4
anos desde o prazo (março de 2016) inicialmente imposto por lei da AR.
E o papel dos partidos
da oposição?
Não
se viu. Uma boa gestão orçamental pressuporia a aplicação da reforma das
finanças públicas.
Terá Mário Centeno
percebido que mais transparência iria criar-lhe um problema ao seu “sucesso
orçamental”?
Parece
que sim. Não existe outra forma de o dizer. A realidade virá revelar que a
gestão orçamental dos últimos anos não foi rigorosa, nem de qualidade, nem
respeitou as melhores práticas internacionais.
Só
quando for implementada a reforma das finanças públicas, os cidadãos vão poder
finalmente saber o verdadeiro custo-benefício de cada medida do governo,
avaliar o verdadeiro desempenho de cada serviço público e, sobretudo, tomar
consciência da verdadeira situação patrimonial do Estado.
Há
estudos que demonstram que a implementação deste tipo de reformas tem um efeito
positivo na prevenção da corrupção, fenómeno com expressão muito grave em
Portugal, mas que continua a ser secundarizada e esquecida no discurso e,
sobretudo, na prática política.
Muitos sabem que o
“milagre orçamental” é conjuntural e pouco sólido, mas ninguém se atreve a
dizê-lo, por cobardia e submissão, tão à portuguesa.
Só
quando começarem a “sair do armário” alguns “esqueletos”, a que nos referiremos
em próxima reflexão sobre a gestão orçamental em Portugal, muitos mostrarão a
sua coragem.
Assim,
a gestão e controlo da despesa pública continuam a ser o parente pobre da
política orçamental em Portugal. Tudo indica que Mário
Centeno falhou notoriamente, prejudicando o interesse público, a transparência
e a gestão pública sustentável e responsável.
Coragem
é ter razão antes do tempo! Não é vir “atirar pedras” quando a realidade se
impõe aos olhos de todos.
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