JUSTIÇA
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ISALTINO Morais chegou a recear pela sua integridade física e dos filhos (Foto OeirasDigital) |
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01 março 2021| 14h30 |
“Como
presidente da Câmara, recebo, com frequência, ameaças anónimas, isoladas, mas
foi a primeira vez na minha vida que tive medo da minha integridade física, e
temi pelos meus filhos…” Isaltino Morais, 71 anos, fez esta revelação surpreendente
aos juízes do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais, resumindo naquelas
palavras as ofensas e a aflição que sofreu durante cinco meses às mãos de uma antiga
colaboradora, 42 anos. Esta está agora a ser julgada sob a acusação de ter
praticado 14 crimes agravados de que o conhecido político terá sido vítima em
2018, após ser reeleito presidente do município de Oeiras.
O Governo central chegou a disponibilizar a Isaltino Morais três elementos do Corpo de Segurança Pessoal da PSP para sua proteção, 24 sobre 24 horas, mas quando a suspeita foi detida, em Julho de 2018, pela Polícia Judiciária, o político decidiu abdicar da companhia dos guarda-costas.
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MINISTROS da Justiça e da Administração Interna ofereceram proteção a Isaltino (Fotos arquivo) |
Esta medida
havia sido concertada entre a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e o
ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, após o autarca ter denunciado
o que se estava a passar, sendo os filhos e a sua mulher também visados nas
ameaças.
A arguida,
A.M., gestora de profissão e que na altura dos factos morava em Agualva-Cacém, e
agora tem residência em Caxias, está acusada como autora material, na forma
consumada, agravada e em concurso real, de quatro crimes de difamação, três de
ameaças, outros tantos de injúrias, dois de gravações e fotografias ilícitas,
um de perseguição e outro de acesso ilegítimo.
A.M. ainda estava
no período experimental de trabalho quando foi despedida da empresa municipal
Oeiras Viva, onde desempenhava funções administrativas, na sequência de uma “guerra”
de calúnias, insultos, difamações e ameaças que moveu, em seis blogues e por
SMS’s, contra Isaltino e outros membros da autarquia, antes e depois dela ter
cessado funções, despeitada com um arquiteto, adjunto de um vereador, que pôs
termo à relação amorosa que mantinha com ela.
Já condenada por mais crimes
Está
atualmente a cumprir pena na cadeia de Tires por, entretanto, ter sido
condenada por outros crimes de que foi alvo o ex-namorado, tendo tentado agredi-lo
e furado e retalhado repetidamente os pneus dos carros dele e da filha.
Isaltino contou
ao tribunal que ficou a conhecer a arguida após ter sido abordado na rua pelo
pai dela, um comandante da Marinha, solicitando-lhe ajuda e os seus bons
ofícios para arranjar uma ocupação para a filha dizendo que estava desempregada.
Conforme
combinado, a arguida passou, então, a colaborar como voluntária no secretariado
do movimento cívico “Inovar Oeiras de Volta”, encabeçado por Isaltino Morais,
que se recandidatou à presidência do município nas autárquicas de 1 de Outubro
de 2017. Ela chegou a figurar como “número 9” na lista de candidatos elegíveis.
O secretariado contava com 20 pessoas em permanência na sede da campanha eleitoral, sendo uma daquelas a arguida, que tinha como principal incumbência o controlo das audiências, além do agendamento dos contatos do candidato.
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ARGUIDA cumpre em Tires pena por perseguição ao ex-namorado (Foto arquivo) |
E terá sido
nessa ocasião, segundo a investigação do Ministério Público, que a arguida, sem
autorização, entrou num computador num gabinete daquela campanha e transferiu
para uma pen drive duas pastas classificadas, uma das quais continha
documentação pessoal de Isaltino Morais, relacionada com a sua candidatura.
A outra
pasta continha documentos referentes a um processo judicial que correu termos
no Tribunal de Oeiras, após ter sido recusada a candidatura do assistente às
autárquicas de 2017, os quais apenas eram conhecidos deste último, do
vice-presidente da autarquia e dos respetivos advogados, estando cobertos por
sigilo profissional.
“Após o
acesso indevido àquele computador, a arguida tomou conhecimento daqueles dados
informáticos, que não podia ver”, refere o MP da Comarca de Lisboa Oeste.
Tudo começou com ruptura amorosa
Por outro
lado, no âmbito das funções exercidas no secretariado da campanha eleitoral “teve
acesso a uma base de dados, contendo centenas de contactos telefónicos, para
divulgação de actividades”.
Entretanto, foi afastada das suas funções e terminou, contra sua vontade, uma relação amorosa que manteve com um adjunto de vereador, pelo que “decidiu que enviaria mensagens através de telemóvel para pessoas que exerciam funções na Câmara e na Junta de Freguesia de Oeiras, com conteúdo vexatório, ofensivo e assustador, para os prejudicar pessoal e profissionalmente, os amedrontar e toldar a liberdade de decisão”.
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PAÇOS do concelho de Oeiras (Foto OeirasDigital) |
Isaltino
Morais confirmou ao tribunal que foi, precisamente, a partir do fim da relação da
arguida com o arquiteto Rui Aboim, adjunto do vereador da Habitação, que toda
esta situação foi despoletada.
Os factos
agravaram-se após o autarca ter falado com o pai da arguida, para evitar que
fosse despedida, expondo o que se estava a passar, após ter mantido uma
primeira conversa com ela.
“Disse-lhe
que com este comportamento a sua filha não podia continuar a trabalhar na
Oeiras Viva, nem em mais lado nenhum. E mostrei-lhe uma cópia das mensagens, em
papel, mas ele estava mais preocupado em saber como é que eu tinha conseguido
estes papéis”, revelou o presidente da Câmara de Oeiras.
“Tinha o presidente da Câmara na mão”
“Ainda
durante a relação com o arquitecto ela fazia algumas ameaças, mas após
terminarem o relacionamento aquelas assumiram uma dimensão pública, incluindo a
criação de blogues com mentiras, calúnias, injúrias e difamações sobre vários dirigentes
da câmara…”
“Ela estava a fazer a vida infernal a mim, e a outras pessoas. A qualquer hora do dia, ou da noite, e até mesmo de madrugada, recebíamos mensagens dela com ameaças, e até os vereadores da oposição se ressentiam com toda esta situação. E tornou-se insustentável a relação dela dentro da própria empresa municipal”, recordou o autarca, falando ao tribunal na qualidade de assistente.
“Dizia que
tinha o presidente da câmara na mão... Fazia todo o tipo de ameaças e não
escondia, sequer, aquilo que ia fazer. Chegou ao ponto de ameaçar repetidamente
que lhe dada um tiro e ainda iria fazer mal aos meus filhos, principalmente ao mais
novo”, de 15 anos.
“Já passei por muita coisa, mas nunca tinha
tido ameaças à minha integridade física, e aqueles cinco meses de 2018 foram os
mais horríveis da minha vida. Sempre andei tranquilo, e em segurança, e de
repente dei comigo a entrar em casa de costas. Ela tinha passado das palavas
aos actos com o arquitecto Aboim, e, portanto, comecei a levar a sério as
ameaças e até tive a sensação de que andava a ser vigiado”, declarou o autarca,
tendo em mente o teor das mensagens que recebeu.
“Toda a
gente vivia com medo. A arguida conseguiu criar este clima e era uma pressão
constante, 24 horas por dia, manhã, tarde, noite e madrugada. A qualquer hora
recebíamos mensagens dela”, acrescentou.
“A tua vida vai ser um inferno”
No final do
seu depoimento, Isaltino Morais recordou que, durante a campanha eleitoral de
2017, já tinha ocorrido uma tentativa de intrusão nos computadores na sede do
movimento, mas não avançou mais pormenores.
Questionada
pela juíza presidente, a arguida admitiu ter enviado, através de 19 telemóveis,
as mensagens que constam da acusação para o telefone directo do presidente do
município e de outros responsáveis do seu executivo, entre 15 de Fevereiro e 26
de Junho de 2018, mas recusou falar sobre o conteúdo dos blogues que criou, e
sustentam a acusação.
Seguramente
que aquela recusa tem a ver com a linguagem utilizada e as obscenidades mais grosseiras
que escreveu, próprias de mentes do submundo do crime, ou de psicopatas e
tarados sexuais.
Nos insultos e ameaças chegou a acusar de Isaltino Morais de ter “1001 amantes”. “…A tua vida vai ser um inferno”, rezava um dos escritos num blogue cujo conteúdo parece inspirado no discurso de ódio da extrema-direita, incluindo a homofobia.
“Fui eu que
enviei os SMS’s. Não devia ter escrito estas asneiras que escrevi… Estava
zangada por se intrometerem na minha vida privada, mas passado todo este tempo,
já não me recordo de algumas coisas, estou arrependida. Portei-me mal e estou a
cumprir uma pena de prisão porque escrevi uma coisa semelhante para outra
pessoa”, declarou num tom de voz amargurado-emocionado, como quem falava
contrariado e com ressentimento.
O início do
julgamento foi adiado a pedido do quinto defensor oficioso da arguida, de
nacionalidade brasileira, nomeado pelo próprio tribunal após quatro advogados
terem renunciado ao mandato, pedindo escusa à Ordem dos Advogados.
O novo
advogado pediu prazo para preparar a defesa, mas na nova data, marcada com a
concordância de todos os intervenientes processuais, voltou a tentar adiar os
trabalhos pedindo o reagendamento da audiência, mais parecendo um expediente
dilatório para criar um incidente processual tendente a anular o julgamento.
Esta atitude
insólita do causídico, que exarou um “protesto” sem qualquer fundamento
jurídico, levou a juíza presidente a dizer que todos os direitos
constitucionais da arguida estão salvaguardados.
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