Traz as facas, vamos até à praia

21 JULHO 2020

Este início de Verão não pode estar a correr pior para a autarquia de Cascais. No espaço de apenas cinco semanas sucederam-se os derrames poluentes nas praias, Cascais perdeu um dos galardões de «praia de ouro», adensaram-se as queixas sobre as concessões excessivamente grandes e, agora, para completar o ramalhete, uma rixa entre grupos rivais envolvendo facadas em plena praia do Tamariz.
Nuns casos a autarquia tem maiores responsabilidades que noutros. Mas vamos por partes.
1. Os derrames poluentes. Ainda o Verão não vai a meio e foram já três as situações de poluição grave em praias do concelho: Uma primeira no Monte Estoril, outra em Carcavelos e, por fim, outra na Parede na semana passada.

A primeira foi manifestamente um acidente: Uma rotura numa obra de ampliação de uma conduta, fez desaguar na praia uma torrente de lama. Os acidentes acontecem e não haverá responsabilidade imediata da autarquia. Claro que não podemos ignorar que a conduta estava a ser alargada porque a Câmara aprovou vários novos condomínios no Monte Estoril e a obra, que em condições normais era desnecessária, teve de ser realizada. Fosse a política imobiliária da Câmara outra e nada teria ocorrido.As duas outras são mais recorrentes. Para quem não sabe, existem duas redes de esgotos no subsolo, uma destinada aos esgotos domésticos, em que os afluentes são encaminhados para tratamento, e uma outra para os pluviais, que sendo água limpa é encaminhada para as ribeiras.
O problema acontece quando existem ligações dos esgotos domésticos à rede pluvial. Por vezes porque quem fez a obra desconhecia que estava a ligar a uma rede errada, por vezes simplesmente porque era o cano mais próximo. Estando a ribeira seca no Verão, estas ligações clandestinas não têm caudal suficiente para chegar à praia e o assunto morre aí. O problema é quando há um dia de chuva a meio do Verão. Neste caso a poluição chega à praia e resulta nos casos que foram amplamente partilhados nas redes sociais.
Qual a solução? Há que verificar minuciosamente todas as ligações feitas às ribeiras e a sua proveniência. É um trabalho demorado, porventura caro, mas fundamental se quisermos ter praias limpas todos os dias do Verão.
2. A perda do galardão «praia de ouro» atribuído pela Quercus.
Por via do fenómeno descrito anteriormente, aconteceu há uns anos o concelho de Cascais perder a meio do Verão algumas bandeiras azuis. Claro que a publicidade foi péssima.

Qual a solução que a Câmara encontrou? Limpar as ribeiras? Eliminar as ligações clandestinas? Nada disso, a solução foi deixar de concorrer à atribuição da bandeira azul. Em seu lugar passou a concorrer ao galardão atribuído pela Quercus, com menor prestígio, mas que incidia sobre a qualidade da água das praias medida nos anos anteriores e não no momento. Só que este ano, até esta solução de recurso falhou. Logo no início do ano, a Quercus anunciou que iria atribuir menos bandeiras de praia de ouro a Cascais, fruto da poluição das mesmas.
A solução, será a mesma que no ponto anterior, eliminar as ligações dos esgotos pluviais às ribeiras. E já agora, no final concorrer de novo às bandeiras azuis que, queiramos ou não, possuem muito mais prestígio que a bandeira da Quercus.
3. As concessões. Sucedem-se as queixas de munícipes sobre a dimensão excessiva das concessões de praia. Em alguns casos, na situação de maré cheia, a concessão chega a ocupar mais de dois terços da praia, levando a que os frequentadores se tenham de amontoar no espaço que resta livre. Este fenómeno tem particular gravidade este ano devido à situação de Covid.
Quando se esperava que a Câmara considerasse a comodidade, e agora até a saúde, dos munícipes, optou por permitir a manutenção das concessões sobredimensionadas tal como existiam, alegando as necessidades económicas dos concessionários.

Não deixando de compreender essas necessidades, que são prementes, o interesse e a saúde dos cidadãos deve estar em primeiro lugar.
A sondagem que fizemos na página do Também És Cascais há cerca de 15 dias, revelou de forma inequívoca o descontentamento dos munícipes com a atuação da Câmara neste domínio. Apesar de ser um inquérito sem base científica, os dados foram de tal maneira expressivos que não deveriam deixar de ser levados em consideração: Mais de 80% dos inquiridos é da opinião que as concessões de praia são demasiado grandes ou não deviam mesmo existir.
A solução que urge implementar é a redução substancial das concessões e a assunção pela autarquia do serviço de vigilância e salvamento, profissionalizando o mesmo e dotando-o de meios necessários, aliviando a fatura dos concessionários das praias e melhorando a segurança dos banhistas.
4. Por fim, a rixa com facada. A rivalidade entre grupos de jovens no concelho ocorre há vários anos e durante todo o ano. Apenas se dá por ela no Verão, porque o cenário já não é o bairro, mas sim a praia.
É uma situação de segurança pública à qual urge pôr cobro, mas é também uma situação social que, enquanto não for mitigada, o problema não fica resolvido.

Quanto à situação de segurança, não é aceitável que a Câmara tenha vertido milhões nos últimos anos para a PSP e GNR e depois não consiga coordenar com estas forças de segurança uma atuação eficaz numa área estratégica e determinante para o concelho, como é a tranquilidade do destino turístico.
Há que colocar mais polícia perto das praias e com mais meios.
Há também que envolver também a GNR na segurança das praias. Fruto de a freguesia de Alcabideche ser policiada pela GNR, esta força conhece melhor o território dos bairros e quem são os principais provocadores de distúrbios. O seu envolvimento nas praias seria benéfico pelo conhecimento já adquirido.
Não podemos, por fim, ignorar a questão social. As diferenças sociais no concelho agravam-se de ano para ano, sendo nós cada vez mais um concelho com uma faixa litoral para ricos e uma faixa interior para pobres. Pelo meio, a vasta «meia encosta» de remediados.
A segregação geográfica das classes sociais, tão ao estilo sul-americano, é um fator potenciador da conflitualidade e originador de insegurança. Que afeta todos, incluindo os que residem nas zonas mais qualificadas do território.
Podemos melhorar muito a integração social no nosso concelho, com uma política adequada na educação, no desporto, no urbanismo, nos transportes e em várias outras áreas.
Sem desculpar os atos de violência, que são indesculpáveis, acredito que enquanto caminharmos no agravamento da segregação social, Cascais não terá nem segurança nem muito menos tranquilidade.
Outros artigos de JOÃO SANDE E CASTRO
+Legrand, Construir Sem Planear  

*
Os artigos de opinião publicados são da inteira responsabilidade dos seus autores e não exprimem, necessariamente, o ponto de vista de Cascais24.






Sem comentários:

FOI NOTICIA

UM JORNAL QUE MARCA A DIFERENÇA

UM JORNAL QUE MARCA A DIFERENÇA