EMERGÊNCIA habitacional ?

05 abril 2023 | 15h46

Quem circular por Cascais e reparar na enorme quantidade de imóveis em construção e avistar as inúmeras gruas que dominam a paisagem, não irá concluir que existe um grave problema no setor da habitação.

E, no entanto, Cascais é um dos concelhos mais caros do país em termos de habitação, juntamente com Lisboa, em termos de valor mediano de venda e de arrendamento por m2. Para quem aufere rendimentos do trabalho em Portugal, é cada vez mais difícil morar aqui.

Pondo de lado a retórica gasta de que os culpados desta situação são os senhorios, os especuladores, o alojamento local ou os liberais, a verdade é que não existe uma verdadeira política de habitação em Portugal, e muito menos em Cascais. No caso específico de Cascais, a política de habitação tem sido destinada sobretudo a um segmento de mercado alto, que pouco reflete a realidade do comprador ou inquilino nacional.

Quer o PS, quer o PSD, poucas atenções dedicaram a este assunto ao longo das últimas duas décadas, resultando num problema que tinha vindo a crescer silenciosamente. A recente perda de poder de compra de muitas famílias de menores recursos, associada ao aumento das rendas e taxas de juros, veio agravar fortemente as dificuldades de acesso a uma habitação condigna a quem mais dificuldades tem.

Em Portugal, a habitação pública representa cerca de 2% a 3% dos imóveis para habitação, um valor relativamente baixo quando comparado a outros países da União Europeia. Esta habitação pública consiste sobretudo na tradicional, e tão estigmatizada, habitação social. Cascais não é muito diferente do resto do país.

Ora as políticas de habitação pública variam de país para país, bem como os mecanismos utilizados (habitação social, subsídio de rendas, habitação a custos controlados, habitação comunitária, etc.), e não há um consenso generalizado quanto à eficácia de determinadas políticas em detrimento de outras, ou aos resultados obtidos. O que é relativamente consensual é uma parte da habitação ser, de alguma forma, apoiada pelos governos locais ou centrais.

Em Cascais, como de costume, temos muita propaganda e poucos resultados.

Em 2019, Miguel Pinto Luz anunciava a requalificação do Bairro Marechal Carmona e falava no arrendamento de devolutos a preços controlados. Nada aconteceu.

Em 2022, Carlos Carreiras divulga a Estratégia Local de Habitação, um investimento de 162 milhões de euros com fundos do PRR, empréstimos e fundos da autarquia. Mais uma vez, a requalificação do bairro Marechal Carmona surge como o principal investimento, com conclusão prevista para 2026. Praticamente nada está em execução.

Assistimos agora ao anúncio de uma consulta pública para aquisição de imóveis para arrendamento a preços controlados, anunciada com grande publicidade, mas da qual pouco ou nada resultará.

Tudo isto é feito como se Cascais fosse uma ilha, sem coordenação com a Área Metropolitana de Lisboa e com o governo central, sem haver uma estratégia integrada que inclua a mobilidade, o urbanismo e o equipamento.

Para se ter uma ideia da dimensão do problema, duplicar a atual oferta de habitação pública em Cascais com a construção de 2500 novos fogos (que não terá de ser necessariamente apenas habitação social, podendo incluir, por exemplo, habitação a custos controlados), é um investimento superior a 500 milhões de euros, excluindo o custo do terreno (tomando como base o custo previsto para o Bairro Marechal Carmona).

Dito de outra forma, se pensarmos neste investimento em 10 anos, é um esforço financeiro da ordem de 50 milhões de euros / ano, de que uma parte considerável caberia à autarquia. Pode uma autarquia com 340 milhões de euros de orçamento anual dedicar este valor ambicioso para um programa de habitação pública? Pode, se gerir o orçamento de uma forma absolutamente profissional e exigente, em vez de andar a desperdiçar dinheiro em “brinquedos” caros, festas e negócios ruinosos.

Mas o problema da habitação não se resolve só com estas medidas. Há toda uma legislação na área do licenciamento e simplificação de procedimentos administrativos na construção que é preciso implementar para que a oferta de habitação aumente (como a IL tem vindo a defender), é preciso facilitar o arrendamento (apoiando quem precisa, mas não impondo arbitrariamente aos proprietários o papel social que cabe ao Estado), é preciso agilizar a justiça para que um contrato seja respeitado, e é preciso melhorar (e muito) a mobilidade nas áreas urbanas, incluindo Cascais.

Gostava de estar otimista. Mas Miguel Pinto Luz já fez promessas nesta área que não cumpriu, e ainda nem sequer é presidente da Câmara Municipal de Cascais. Não augura nada de bom para quando Carlos Carreiras abandonar o mandato.

Fico muitas vezes com a sensação de que os nossos autarcas, deslumbrados pelos que julgam conhecer da Riviera Francesa, da Califórnia ou dos Hamptons, com o tempo ocupado com toda a atividade social que têm no seu dia a dia, não se apercebem das dificuldades de grande parte da população, esquecida no interior do concelho.

O problema da habitação é uma emergência que temos de começar a resolver imediatamente, e já vamos tarde.

Mas, a este PSD, falta a visão de longo prazo, falta o sentido de urgência, falta a vontade. E falta sobretudo a ambição.

*Coordenador do Núcleo Territorial de Cascais da INICIATIVA LIBERAL (IL)

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*Os artigos de opinião publicados são da inteira responsabilidade dos seus autores e não exprimem, necessariamente, o ponto de vista de Cascais24Horas




1 comentário:

Anónimo disse...

Exelente explicação. Tem que haver mais vozes o que raramente acontece em Portugal.

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